As Expressões Dramática e Musical como veículo promotor do processo de ensino-aprendizagem do português no ensino pré-escolar e no 1.ºCiclo do Ensino
o
As expressões dramática e musical no desenvolvimento da criança
O ser humano desde sempre utilizou a sua criatividade para se exprimir perante os outros. A expressão é algo que está ligada ao íntimo de cada pessoa. Segundo o Dicionário Prático Ilustrado Lello Universal, deriva do latim “expressione” e significa “acto de espremer, de extrair o suco; maneira de exprimir, frase, palavra. Manifestação de um sentimento: expressão de dor, de alegria. Carácter, sentimentos íntimos” (1979, p. 492).
A expressão dramática está intimamente relacionada com 3 fatores:
Ø EMOÇÕES
Ø SENTIMENTOS
Ø IMPULSOS
Essência da expressão
Expressão, designa sempre o que vem de dentro, algo que é; característico daquela pessoa, que vem da essência, que muitas vezes transcende ao próprio conhecimento do sujeito.
A expressão vem muitas vezes do que nos transmitem as emoções, daquilo que sentimos, como sentimos e porque sentimos. Sem que muitas vezes saibamos sequer a razão pela qual isso acontece. Segundo Paré, “a expressão não é qualquer coisa que se vem adicionar à vida, é a definição mesma do indivíduo, correspondendo a ausência de expressão, à morte” (in Houle, 1987, p. 11). Neste contexto importa definir expressão porque é essencialmente a partir dela, dessa essência que vem de cada um, que depois se conjuga com a música ou com o drama, mas que chega e parte de cada aluno, respeitando a individualidade caraterística de cada um.
“É através da expressão e do reconhecimento do seu desejo pelo outro, numa experiência de prazer partilhado, que a criança adquire e confirma o sentimento de existir e de ter uma identidade pessoal” (Houle, 1987, p. 11).
Ainda, além dos dois fatores já mencionados anteriormente (sentimentos e emoções), há outro que se manifesta através da expressão, e que não é de menor importância, que são os impulsos.As nossas expressões também são traduzidas pelos nossos impulsos e, segundo Read, estes impulsos/instintivos apontam a uma “expressão que é dirigida a um fim instintivo e inalienável especifico – nomeadamente, assegurar a satisfação de algum apetite, como a fome” (1943, p. 98).
A expressão conjuga estes três níveis diferentes, e ao nível do próprio cérebro, se situam em locais diferentes. a expressão é uma conjugação que aporta reações ao nível dos sentimentos (situado ao nível do córtex), das emoções (situado ao nível do sistema límbico), e instintos (situado no bolbo). À luz da investigação de Sousa, “a expressão é a descarga de energias que se localizam nas regiões do bolbo, do sistema límbico e do córtex” (2003, p. 182).
Segundo Piaget (in Sousa, 2003, p. 184), seguindo esta mesma ordem de pensamento, a “expressão é a exteriorização da personalidade. Efectua-se através do jogo simbólico, realizando desejos, a compensação, a livre satisfação das necessidades subjectivas. Numa palavra, a expressão tão completa quanto possível do “Eu””.
A DRAMATIZAÇÃO
O drama/teatro tem acompanhado a humanidade na sua evolução. Por todo o mundo são famosas as ruínas dos teatros gregos e romanos. “Desde o início, entre os primitivos, onde o teatro era um ritual sagrado, dedicado aos deuses (…), ele segue, modificando suas apresentações, introduzindo aspectos mais sofisticados, porém, sempre encenando” (Diniz, 1995, p. 33).
Além da caraterística de ser mostrado a um público, “el teatro cumple, como el arte en general, una compensación, vivir vidas añadidas, asociándonos a su peripecia y cumpliendo en nosotros desenlace. Aunque siempre más a cubierto a las consecuencias prácticas en la vida individual e social” (Tejerina, 2001, p. 4), o drama/teatro é não só para os que estão a assistir, mas também para aqueles que estão a dramatizar. Este tipo de arte, leva-nos a crer que traz diversas vantagens para o sujeito que a pratica.
O Dicionário Prático Ilustrado Lello Universal caracteriza o “drama” como sendo derivado do grego “drama” e significa algo como “acontecimento impressionante, comovente, terrível. Narrativa que apresenta, com intensidade acontecimentos comoventes” (1979, p. 383). Assim, o teatro pode servir como catarse, mas também se reveste de uma interpretação linguística, quer esta seja pela linguagem falada, quer seja pela linguagem corporal. É através do jogo de expressão dramática que a criança se experimenta a si mesma, vive a sua imaginação, os seus sonhos, as suas fantasias e até os seus medos, provando a si própria as suas capacidades de transformação e de se imaginar outra ou noutra situação (Sousa, 1979, p. 11). Drama/teatro não se fica apenas pelos palcos e pela sua faceta artística/imaginativa/criativa, mas que pode ser utilizado para outros fins, trazendo inovação às práticas educativas. “Na sala de aula começar uma sessão de drama é acender uma faísca. A resposta é apaixonante. Ideias acutilantes saltam umas sobre as outras: cada um estimula o outro; todos ficam excitados. Não há pretensões, barreiras: tudo sai” (Avelino & Bento, in Sousa, 2003, p. 69).
Abordagem às Expressões Dramática e Musical no 1.º Ciclo do Ensino Básico.
Ao nível do 1.º
Ciclo, a extensão dos conteúdos a lecionar e por conseguinte a escassez de
tempo para chegar a todos os conteúdos, são muitas vezes uma razão para não
realizar a abordagem às expressões como se pretenderia. Como afirma Sousa, “a
predominância das disciplinas de Letras e de Ciências sobre as disciplinas
artísticas pode ser facilmente constatada pela análise do currículo de qualquer
nível escolar” (2003, p. 18). As áreas expressivas constantes no currículo
conferem oportunidades da criança ter contacto consigo e poder criar as suas
próprias ideias e opiniões sobre aquilo que a rodeia e que tem que aprender. É
fazer olhar o ensino e aprendizagem como uma fonte inesgotável de conhecimento
próprio e do mundo, é fazer do ensino uma fábrica de construção de
conhecimentos e não um armazém de arrumação de conhecimentos.
No entanto, a maioria dos modelos
educativos atuais “visa o desenvolvimento curricular, com a pulverização
disciplinas e torna difícil a integração do saber global e reflexivo, dando o
primado ao saber e ao saber-fazer, desvalorizando ou não atendendo ao saber
ser/estar/sóciorelacional” (Ferraz, 2011, p. 17). as expressões, nomeadamente a dramática e a
musical, são esquecidas em detrimento das outras áreas de conteúdo.
O currículo é bem explícito no que concerne ao trabalho dos seus conteúdos: “proporcionar o desenvolvimento físico e motor, valorizar actividades manuais e promover a educação artística, de modo a sensibilizar para as diversas formas de expressão estética, detectando e estimulando aptidões nesses domínios”, afirmação constante no Programa de 1.º Ciclo do Ensino Básico (Ministério da Educação, 1998, p. 12). O ensino das expressões dramática e musical traz grandes benefícios ao dia-a-dia da sala de aula e pode ser um contributo interessante para trabalhar áreas como o português e a matemática. Desenganem-se os professores se acham que, para trabalhar as áreas das expressões, é preciso uma intensa formação, porque “o objecto é a criança, sendo por isso importante a formação psicopedagógica dos professores e não os seus conhecimentos musicais” (Sousa, 2003, p. 18) ou dramáticos.
De um modo muito geral, no 1.º Ciclo do Ensino Básico a expressão dramática contribui em larga escala para a obtenção de objetivos ao nível artístico e ao nível das outras áreas de conteúdo. Refere-se alguns deles citados por Valero, Martínez e Fernández, baseados nos trabalhos de Tejerina, Motos e Laferrière: Comprender as possibilidades do gesto, o movimento, a imagem, a palavra e sonoridades expressivas como elementos de representação e utilizá-las para comunicar ideias, sentimentos vivências em situações de intercâmbio e jogo; Aplicar os conhecimentos artísticos a observação de situações relevantes do cotidiano, selecionando as mais úteis e adequadas a atividade expressiva; Representar elementos da realidade ou elementos imaginários; iv) Realizar produções coletivas com sentido artístico-comunicativo que promovam papéis e situações diferenciados no processo de criação de dramatizações e improvisações; Identificar os elementos linguísticos, plásticos, musicais e interpretativos básicos para a análise de produções artísticas próprias ou de outros e utilizá-los em produções próprias; Planificar a elaboração de dramatizações e produções artísticas identificando os componentes do processo de acordo com os conteúdos e finalidades previstas. O objetivo é a melhoria da comunicação oral, e por conseguinte da comunicação verbal e não verbal; Compreender a riqueza linguística formal e do texto dramático; e Conhecer as características principais das técnicas artísticas e utiliza-las de forma pessoal, com fins expressivos e comunicativos. (pp. 25-26)
A expressão dramática nos normativos legais
No que diz respeito à expressão dramática, e também tendo como base nos Programas do 1.º Ciclo do Ensino Básico, esta está organizado em dois blocos, um que diz respeito aos jogos de exploração e outro que aporta os jogos dramáticos.
Relativamente ao primeiro, devem explorar-se as capacidades expressivas do corpo, as possibilidades da voz, o domínio do espaço, e a utilização e transformação imaginária de objetos.
Ao nível dos jogos dramáticos pretende-se trabalhar objetivos que visam o desenvolvimento da linguagem não-verbal, “sinais exteriores do corpo no espaço, através da mímica, dos gestos, das atitudes dos movimentos e da utilização de objectos” (p. 82); da linguagem verbal, onde “as crianças vão-se sensibilizando à utilização de sons, de silêncios e de palavras” (p. 83); e da linguagem verbal e gestual, onde “as crianças irão desenvolvendo pequenas improvisações explorando, globalmente, as suas possibilidades expressivas e utilizando-as para comunicar” (p. 84).
NAS APRENDIZAGENS ESSENCIAIS DO 1º CICLO
“Os jogos dramáticos permitirão que os alunos desenvolvam progressivamente as possibilidades expressivas do corpo — unindo a intencionalidade do gesto e/ou a palavra, à expressão, de um sentimento, ideia ou emoção. “Nos jogos dramáticos as crianças desenvolvem acções ligadas a uma história ou a uma personagem que as colocam perante problemas a resolver: problemas de observação, de equilíbrio, de controlo emocional, de afirmação individual, de integração no grupo, de desenvolvimento de uma ideia, de progressão na acção.” (MEC, 2015)
CORPO
A variedade e a riqueza de sugestões, a nível do imaginário, devem ser características das situações propostas para explorar as possibilidades expressivas do corpo. “Através de jogos de imaginação, todos do agrado das crianças, deverão ser vivenciadas diferentes formas e atitudes corporais assim como maneiras pessoais de desenvolver um movimento”. (MEC, 2015)
VOZ
Explorar as diferentes possibilidades da voz, fazendo variar a emissão sonora e, progressivamente, ir aliando ao som gestos e movimentos, é desenvolver fatores sempre presentes num jogo dramático. Os temas propostos deverão estar adequados à idade e experiência das crianças de molde a adquirirem maior confiança e acuidade na utilização da voz como instrumento essencial à expressão e comunicação, como por exemplo “Experimentar maneiras diferentes de produzir sons”. (MEC, 2015)
JOGOS DRAMÁTICOS
Os jogos de exploração devem ser progressivamente complementados por propostas que contribuam para o desenvolvimento da capacidade de relação e comunicação com os outros…
LINGUAGEM VERBAL
Em atividades coletivas ou de pequeno grupo, as crianças vão-se sensibilizando à utilização de sons, de silêncios e de palavras. O professor e as crianças podem propor improvisações a partir de palavras, imagens, objetos ou de um tema, como “participar na elaboração oral de uma história.” (MEC, 2015)
LINGUAGEM NÃO VERBAL
Num jogo dramático estão sempre presentes os sinais exteriores do corpo no espaço, através da mímica, dos gestos, das atitudes, dos movimentos e da utilização de objetos. As crianças, em interação, podem explorar a dimensão não-verbal em improvisações que poderão partir de histórias, contos ou situações dramatizadas.
LINGUAGEM VERBAL E GESTUAL
A utilização simultânea da dimensão verbal e gestual ganha, aqui, o seu pleno significado. Em interação, as crianças irão desenvolvendo pequenas improvisações explorando, globalmente, as suas possibilidades expressivas e utilizando-as para comunicar, como “Elaborar, previamente, em grupo, os vários momentos do desenvolvimento de uma situação”. (MEC, 2015)
O Ensino Do português através da Expressão Dramática
A interdisciplinaridade entre o português e a expressão dramática e musical podem ser ferramentas que potenciam qualquer uma das áreas e se enriquecem mutuamente. Para os professores esta pode parecer uma tarefa árdua, pois o aproveitamento das oportunidades transversais do currículo requer alguma perspicácia e conhecimento. No entanto, não deverá ser esquecido que a divisão das áreas e “disciplinas impossibilita colher o que está tecido em conjunto, o mesmo é dizer, segundo o sentido original do termo, o complexo” (Morín, 1999, p. 45).
PAPEL DO PROFESSOR
Pôr as crianças a trabalhar de forma a tirar o maior partido possível da transversalidade entre disciplinas, nomeadamente entre o português e a expressão dramática e musical é uma tarefa que necessita dedicação por parte do professor. Este tipo de atividade, ou de metodologia de trabalho, não se encerra apenas em objetivos e benefícios para os alunos, mas também os realiza para os professores. Trabalhar assim, exige criatividade e dedicação de ambas as partes, constituindo uma aprendizagem mútua e permanente.
EM SUMA, achar que estas são áreas distintas e estanques é estar a limitar a educação. Abordá-las separadamente, dando às expressões alguns momentos pontuais, é estar a ser minimalista, quando se podem fazer magníficas construções educacionais. Os programas dão aos professores todos os materiais e ferramentas necessárias, cabe-lhes criar estratégias e utilizar da forma mais rica possível toda a liberdade que lhes confiam para serem criativos.
BIBLIOGRAFIA
Ferraz, M. (2011). Educação Expressiva. Um Novo Paradigma Educativo. (2ºVolume). Venda do Pinheiro: Tuttirév.
Lopes da Silva, M. (1999). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação.
Martins, A. (coord.) (2002). Didáctica das Expressões. Lisboa: Universidade Aberta.
o Martins, M. & Niza, I. (1998). Psicologia da Aprendizagem da Linguagem Escrita. Lisboa: Universidade Aberta.
Sousa, A. (1979). A Expressão Dramática. Lisboa: Básica Editora
o Sousa, A. (2003). Educação pela Arte e Artes na Educação. Bases psicopedagógicas (1º volume). Lisboa: Instituto Piaget.
Sousa, A. (2003). Educação pela Arte e Artes na Educação. Drama e Dança (2º volume). Lisboa: Instituto Piaget.
Sem comentários:
Enviar um comentário